sábado, 29 de janeiro de 2011

Paraguai reconhece Estado palestino soberano



Palestina - Direitos nacionais e imperialismo
Sábado, 29 Janeiro 2011 16:02

RFI - O Paraguai é o oitavo país da América do Sul a reconhecer a Palestina como um "Estado livre e independente", desde dezembro de 2009. O movimento, iniciado pelo Brasil, já teve a adesão da Argentina, Equador, Bolívia, Guiana, Chile e Peru

O reconhecimento paraguaio foi anunciado nesta sexta-feira, em comunicado, pelo Ministério das Relações Exteriores do país. O texto explicita o reconhecimento do Estado Palestino nas fronteiras de 1967, isto é, antes da ocupação por Israel de Jerusalém Oriental, da Cisjordânia e da Faixa de Gaza após a Guerra dos Seis Dias. A nota reafirma a convicção do Paraguai de que as negociações entre israelenses e palestinos devem ser relançadas para se alcançar a paz e a segurança na região.
Até agora, dos 12 países da América do Sul, nove já reconheceram o Estado palestino. O primeiro foi a Venezuela, em 2005, e os outros recentemente, após o movimento iniciado pelo Brasil em dezembro do ano passado. Dois países sul-americanos anunciaram que vão adotar a mesma posição ainda este ano: Uruguai e Suriname. Essa onda de reconhecimento antecede a terceira Cúpula entre países árabes e sul-americanos, a ASPA, prevista para acontecer no dia 16 de fevereiro, em Lima, no Peru, e que vai contar com a presença do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas.

Por causa do bloqueio das negociações de paz com Israel, as autoridades palestinas intensificam a campanha para obter o reconhecimento de seu Estado. Assim que um número expressivo de países for atingido, eles pretendem entrar com a reivindicação de reconhecimento do Estado palestino no Conselho de Segurança da ONU.

Essa onda de reconhecimento do Estado palestino por países latino-americanos está sendo desaprovada por Washington. O Centro Wiesenthal, uma organização que luta contra o antisemitismo, declarou que a América do Sul deve se interessar pelo Oriente Médio, mas deve se limitar ao estabelecimento de relações comerciais com a região.

Adriana Brandão

Foto: O presidente da Autoridade Palestina Mahmoud Abbas e Saëb Erekat , durante uma coletiva no Cairo, no dia 24 de janeiro de 2011.

REUTERS/Asmaa Waguih

EM PORTUGAL- MINISTRO ISRAELITA NÃO É BEM-VINDO

De: Avante!

O Conselho Português para a Paz e Cooperação «repudia veementemente» a visita do Ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel Avigdor Lieberman a Portugal e as reuniões que este manterá com o Presidente da Assembleia da República e com membros do Governo português. Num comunicado de anteontem, o CPPC lembra que Israel não cumpre o Direito Internacional nem respeita os direitos humanos, considerando tratar-se de um governo «terrorista e responsável pelo genocídio praticado sobre o povo palestino».

O CPPC estende as acusações ao Governo português, que «não tem tomado uma atitude firme nas instâncias internacionais pelos legítimos direitos do povo palestino». Das autoridades nacionais, o Conselho Português para a Paz e Cooperação exige uma «actuação concordante com o Direito Internacional, com a Carta e Resoluções da ONU no que concerne à questão Palestina» e a condenação da «criminosa actuação» do Governo de Israel.

O Poder Judiciário na mira da sociedade

Radioagência NP

Por Dora Martins*

Votamos a cada quatro anos, e todo ano sofremos a tristeza de ver brasileiros e brasileiras perderem a vida por descura do poder público. Desastres das chuvas de janeiro se repetem há décadas e ficamos, no fundo, todos impotentes, tristes, revoltados, e à espera que tudo, de novo, aconteça. Falta-nos lembrar de todas essas desgraças na hora do voto, na hora de exigir o que é devido daqueles que colocamos no Poder, para que façam por nós o que sabemos que deve ser feito.

A participação da sociedade na condução das políticas implementadas pelo Estado deve ser estendida e cada vez maior, pois é o único modo de se avançar com a democracia.

O Poder Judiciário foi alvo de uma larga pesquisa feito pelo IPEA, em 2010, e dela obteve a baixa nota 4,55. Com isso, está dado o recado: o Poder Judiciário precisa ofertar ao povo brasileiro um novo formato de justiça, e que a prestação dela se dê de forma correta, eficiente e no tempo certo. Faz-se necessária a urgente reforma política ampla, que abranja todos os poderes do Estado e que cada Poder atue de modo a garantir o bem estar dos cidadãos.

No foco das reformas políticas que abrangem o Judiciário, está o Supremo Tribunal Federal. Hoje, ele que é órgão máximo do Poder Judiciário, cuida de questões várias, advindas dos demais tribunais estaduais e federais.

Um dos pontos da reforma que se espera é que o STF cumpra apenas seu papel maior, qual seja um tribunal constitucional, que cuide de nossa Constituição com exclusividade e profundidade, pois está ela repleta de nossos mais caros princípios que devem defendidos quando atacados e garantidos quando postos em risco.

A presidenta Dilma nomeará, durante seu mandato, pelo menos três ministros do STF. Para poder disputar uma vaga de ministro do STF, o candidato ou candidata deve ter “mais de 35 e menos de 65 anos, ter notável saber jurídico e reputação ilibada” (art. 101 da CF). Assim sendo, a nossa Presidenta pode contribuir com a reforma política, desde já, sem muito esforço, e sem vulnerar seu poder no processo de nomeação do novo ministro ou ministra. Basta que ela dê transparência e democratize esse processo de nomeação. Para tanto pode a Presidenta Dilma divulgar e dar publicidade dos nomes dos candidatos e candidatas ao cargo do STF. Com isso, será possível ao cidadão brasileiro, suas entidades de classe, suas associações debaterem e se manifestarem, formalmente, sobre os candidatos e candidatas ao cargo de ministro. Afinal, o que almejam esses candidatos e candidatas é, nada mais nada menos, ser a voz da Justiça brasileira, em seu mais alto patamar.

Com tal proceder, a nossa Presidenta estará prestigiando a participação social na construção da democracia brasileira. Permitir que o povo conheça, discuta, opine e seja ouvido é valorizar a cidadania em seu grau mais relevante.

É direito do cidadão saber o que o candidato ou candidata a ministro do STF pensa, como agiu e age ele ou ela na defesa dos princípios constitucionais e quais são seus compromissos com a construção de uma sociedade menos desigual e mais garantidora da dignidade humana.

É hora, pois, de nossa presidenta fazer a história. E, você, cidadão ou cidadã, faça sua parte. Mande mensagens para a Presidente Dilma, e peça essa transparência no trato com questões tão fundamentais.

*Dora Martins é Integrante da Associação Juízes para a Democracia, publicada originalmente no site da Radioagência NP

Berlusconi e a manipulação da justiça

Dalmo de Abreu Dallari

Observatório da Imprensa:

Uma decisão recente da Corte Constitucional da Itália deixa evidente que o sistema judiciário italiano é fortemente manipulado por fatores políticos, a ponto de se criarem obstáculos legais para impedir, escancaradamente, que havendo altos interesses políticos envolvidos se obtenha uma decisão judicial justa. Jogando-se com formalidades legais e mantendo-se uma aparência de normalidade democrática fabricam-se inocentes, como também, se houver interesse, serão fabricados culpados.

A comprovação dessa degradação da Justiça acaba de ocorrer num caso envolvendo o presidente do Conselho de Ministros, chefe do governo italiano, Silvio Berlusconi, tendo sido objeto de uma decisão da Corte Constitucional proferida no dia 13 de janeiro.

Como tem sido muitas vezes noticiado pela imprensa de vários países, inclusive por alguns órgãos da imprensa brasileira, o ministro Berlusconi, empresário muito rico do setor de comunicações da Itália, vem sendo frequentemente acusado de utilizar meios fraudulentos para ampliar seus ganhos e fugir à responsabilidade fiscal.

Valendo-se de sua força política, concretizada pelo controle da maioria do Parlamento italiano, ele conseguiu a aprovação de uma lei que lhe dava imunidade jurídica, impedindo que ele fosse levados aos tribunais para responder por acusações de práticas criminosas, em razão de sua condição de presidente do Conselho de Ministros.

"Motivos justos"

Iniciado um processo em que figurasse como acusado, ele, simplesmente, não atendia às intimações dos juízes e não comparecia às audiências e seus advogados alegavam a ocorrência de um "impedimento legítimo", por sua condição de chefe do governo, aceitando-se que ficasse suspenso o andamento do processo enquanto ele permanecesse na chefia do governo.

Essa imunidade foi declarada inconstitucional pela Corte Constitucional italiana, em sessão de quinta-feira (13/1). Entretanto, pela mesma decisão ficou estabelecido que em cada caso concreto caberá ao juiz do processo avaliar a desculpa apresentada por Berlusconi para não se submeter às determinações judiciais e fugir, assim, a uma imposição constitucional, pois a Constituição italiana estabelece, no artigo 25, que ninguém pode ficar fora do alcance do juiz natural designado pela lei, não abrindo qualquer exceção.

Mas já se estabeleceu, de antemão, que são motivos justos, não havendo afronta à Constituição, as ausências que tiverem por fundamento: a participação em reuniões do Conselho de Ministros, o comparecimento às reuniões entre o Estado italiano e alguma de suas regiões, a participação em encontros de caráter internacional, assim como todo tipo de reunião preparatória ou essencial para o exercício das funções de chefe do governo.

Formalidades convenientes

Comentando com ironia essa decisão, o jornal francês Le Monde, em sua edição de sábado (15/1, pág.9), observa que, na melhor da hipóteses, cada alegação de motivo justo para não comparecer perante o juiz abrirá a possibilidade de intermináveis debates, para se avaliar se "a necessidade de comparecer a uma reunião nos confins da Puglia" constitui ou não um "impedimento legítimo" para não comparecer à audiência que daria início ao processo. E assim, observa o jornal, os processos ficarão parados até que ocorra a prescrição, estando garantida a impunidade. Tudo isso de acordo com as formalidades legais do processo democrático.

Essa é a realidade do sistema judiciário italiano hoje, sendo mais do que óbvio que os amigos do rei serão protegidos por formalidades legais e não sofrerão condenações, continuando a posar de inocentes, ao mesmo tempo em que, em sentido contrário, quando houver interesse político serão adotadas as formalidades convenientes para a fabricação de culpados.

WikiLeaks: “EUA tentaram impedir programa brasileiro de foguetes”



“EUA tentaram impedir programa brasileiro de foguetes, revela WikiLeaks

José Meirelles Passos

RIO – Ainda que o Senado brasileiro venha a ratificar o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas EUA-Brasil (TSA, na sigla em inglês), o governo dos Estados Unidos não quer que o Brasil tenha um programa próprio de produção de foguetes espaciais. Por isso, além de não apoiar o desenvolvimento desses veículos, as autoridades americanas pressionam parceiros do país nessa área – como a Ucrânia – a não transferir tecnologia do setor aos cientistas brasileiros.

A restrição dos EUA está registrada claramente em telegrama que o Departamento de Estado enviou à embaixada americana em Brasília, em janeiro de 2009 – revelado agora pelo WikiLeaks ao GLOBO. O documento contém uma resposta a um apelo feito pela embaixada da Ucrânia, no Brasil, para que os EUA reconsiderassem a sua negativa de apoiar a parceria Ucrânia-Brasil, para atividades na Base de Alcântara no Maranhão, e permitissem que firmas americanas de satélite pudessem usar aquela plataforma de lançamentos.

Além de ressaltar que o custo seria 30% mais barato, devido à localização geográfica de Alcântara, os ucranianos apresentaram uma justificativa política: “O seu principal argumento era o de que se os EUA não derem tal passo, os russos preencheriam o vácuo e se tornariam os parceiros principais do Brasil em cooperação espacial” – ressalta o telegrama que a embaixada enviara a Washington.

A resposta americana foi clara. A missão em Brasília deveria comunicar ao embaixador ucraniano, Volodymyr Lakomov, que “embora os EUA estejam preparados para apoiar o projeto conjunto ucraniano-brasileiro, uma vez que o TSA (acordo de salvaguardas Brasil-EUA) entre em vigor, não apoiamos o programa nativo dos veículos de lançamento espacial do Brasil”. Mais adiante, um alerta: “Queremos lembrar às autoridades ucranianas que os EUA não se opõem ao estabelecimento de uma plataforma de lançamentos em Alcântara, contanto que tal atividade não resulte na transferência de tecnologias de foguetes ao Brasil”.

O Senado brasileiro se nega a ratificar o TSA, assinado entre EUA e Brasil em abril de 2000, porque as salvaguardas incluem concessão de áreas, em Alcântara, que ficariam sob controle direto e exclusivo dos EUA. Além disso, permitiriam inspeções americanas à base de lançamentos sem prévio aviso ao Brasil. Os ucranianos se ofereceram, em 2008, para convencer os senadores brasileiros a aprovarem o acordo, mas os EUA dispensaram tal ajuda.

Os EUA não permitem o lançamento de satélites americanos desde Alcântara, ou fabricados por outros países mas que contenham componentes americanos, “devido à nossa política, de longa data, de não encorajar o programa de foguetes espaciais do Brasil”, diz outro documento confidencial.

Viagem de astronauta brasileiro é ironizada

Sob o título “Pegando Carona no Espaço”, um outro telegrama descreve com menosprezo o voo do primeiro astronauta brasileiro, Marcos Cesar Pontes, à Estação Espacial Internacional levado por uma nave russa ao preço de US$ 10,5 milhões – enquanto um cientista americano, Gregory Olsen, pagara à Rússia US$ 20 milhões por uma viagem idêntica.

A embaixada definiu o voo de Pontes como um gesto da Rússia, no sentido de obter em troca a possibilidade de lançar satélites desde Alcântara. E, também, como uma jogada política visando a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Num ano eleitoral, em que o presidente Lula sob e desce nas pesquisas, não é difícil imaginar a quem esse golpe publicitário deve beneficiar.

Essa pode ser a palavra final numa missão que, no final das contas, pode ser, meramente ‘um pequeno passo’ para o Brasil” – diz o comentário da embaixada dos EUA, numa alusão jocosa à célebre frase de Neil Armstrong, o primeiro astronauta a pisar na Lua, dizendo que seu feito se tratava de um pequeno passo para um homem, mas um salto gigantesco para a Humanidade.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O ESPETÁCULO DESENVOLVIMENTISTA E A TRAGÉDIA DA MORTALIDADE INFANTIL INDÍGENA

De: Iara Tatiana Bonin - Adital

Amanhece. Entre os diversos sons daquela manhã destaca-se um choro que atravessa a aldeia guarani de Itapuã. Mais uma criança nasce anunciando a vida em seu contínuo recomeço. Para alguns povos indígenas o nascimento antecipa o futuro e mostra que as divindades ainda acreditam que a existência humana vale à pena. Acolher as crianças, permitir que sejam felizes e que desejem permanecer entre os vivos é uma preocupação que, mais do que algo mítico ou ritual, se concretiza em práticas cotidianas de afeto e de atenção. Estes novos seres, que assumem a forma humana e se inserem no mundo, asseguram a continuidade e a vida na terra. Por isso mesmo as crianças são bem acolhidas e sua socialização é uma responsabilidade coletiva, da qual toma parte os pais, os avós, os líderes religiosos, enfim, uma comunidade educativa.

Na cultura ocidental contemporânea um nascimento pode adquirir diversos significados, e em geral também simboliza a esperança no futuro. Tanto é assim que, quando se projeta um mundo melhor, mais justo, mais humano, afirma-se que este é o legado a se deixar aos filhos. Acolher as crianças, protegê-las e torná-las partícipes de um conjunto de conquistas sociais são esforços empreendidos por qualquer cultura que não vislumbra para si o extermínio. No caso brasileiro, muitas leis, tratados, estatutos e normas foram criados para regular as relações sociais e para assegurar às crianças um amplo conjunto de direitos.

Mas apesar do aparato legal voltado à proteção e ao bem estar infantil, verificamos que as estruturas econômicas e políticas não funcionam para garantir a vida em sua concretude, e sim para resguardar a existência de um modelo cuja marca mais significativa é a concentração de bens e de capitais. A situação vivida pelos povos indígenas é ainda mais grave. Logo ao nascer as crianças se deparam com circunstâncias que dificultam ou inviabilizam o próprio existir - terras invadidas e depredadas, confinamento, inadequadas condições de assistência e de proteção à saúde, proliferação de doenças, desnutrição, fome, e toda espécie de violências decorrentes das relações de intolerância e de desrespeito aos seus estilos de vida.

De nada valem, portanto, os belos discursos sobre a necessidade de proteção às crianças e as proposições em tramitação no Congresso Nacional, tal como o Projeto de Lei 1057/2007 (que propõe o combate a práticas indígenas consideradas nocivas, em especial o infanticídio) se efetivamente não se assegurarem as condições para que elas possam crescer e viver com dignidade. Vale ressaltar que a falta de terras apropriadas e de condições adequadas de vida não são tidas como "práticas nocivas" a serem extirpadas de nosso atual modelo econômico e político. O referido projeto pode ser visto como um instrumento de criminalização das comunidades indígenas e um paliativo para evitar que se enfrente o real problema: a incapacidade política do governo em demarcar as terras indígenas, a falta de ações governamentais eficazes, que possam garantir às crianças indígenas o direito à proteção, à saúde, à educação, aos recursos sociais e ambientais.

Olhando para trás, depois do longo período em que o país foi governado pelo presidente Lula, é importante indagar sobre as formas como se tem cuidado e protegido as crianças de hoje, uma vez que se pretende alcançar um lugar de destaque no futuro. O que mais se escutou, nos meses finais do governo Lula, foram discursos celebrativos, relacionados a certos avanços estruturais e econômicos. No entanto, para além da euforia que se estabeleceu em torno de supostas conquistas, é fundamental nos darmos conta de um quadro desolador que afeta muito particularmente as crianças, em diferentes povos indígenas. Desta situação pouco se tem notícias, porque tais informações são mantidas apenas nos bastidores de um espetáculo (o do suposto crescimento) que nos é apresentado com uma bela moldura desenvolvimentista.

Vale do Javari/AM

A terra indígena Vale do Javari foi homologada em 2001 e possui 8,5 milhões de hectares. Nela vivem os povos Marubo, Korubo, Mayoruna, Matis, Kulina, Kanamari, além de outros em situação de isolamento e risco que, de acordo com dados da FUNAI, são cerca de 20 diferentes etnias.

Apesar das insistentes denúncias e reivindicações feitas há quase uma década pelo Conselho Indígena do Vale do Javari - CIJAVA, não há uma ação efetiva do poder público para conter as doenças que afetam diretamente a vida destas populações. A distância geográfica soma-se ao descaso, à má gestão de recursos públicos e aos desvios de verbas, conforme denuncia o Centro de Trabalho Indigenista em um relatório divulgado em dezembro de 2010.

A omissão do poder público, em especial no que tange ao atendimento de saúde, tem como consequência a morte de centenas de pessoas. Dados relativos aos últimos 11 anos indicam a ocorrência de mais de 325 óbitos resultantes de desassistência - 210 óbitos de crianças menores de 10 anos. Mais grave ainda, quase metade dessas crianças eram da etnia Kanamari e pertenciam a uma mesma comunidade. A mortalidade infantil no Vale do Javari é superior a 100 mortes para cada mil nascidos vivos, índice cinco vezes maior que a média nacional, que não chega a 23.

O Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) do Vale do Javari atende uma população de cerca de quatro mil índios. E um dado avassalador registrado pelo CTI, que também se relaciona aos altos índices de mortalidade infantil, é o decréscimo da população desta área indígena, que está em torno de 8%. Há povos que sofrem muito mais fortemente os efeitos desta situação: "proporcionalmente ao seu tamanho populacional, os Kanamary do Vale do Javari perderam 16% de sua população. Junto com os Korubo, um grupo de contato recente que perdeu 15% da sua população no período, são os povos mais afetados pela grave situação de saúde na região. Os Mayoruna e Matis perderam cada 8% de sua população total, e os Marubo e Kulina, 7%" (dados divulgados pelo CTI em dezembro de 2010).

Doenças como hepatite, pneumonia, infecções respiratórias, meningite, tuberculose são responsáveis pela maioria das mortes. Além disso, malária é uma enfermidade recorrente na região, quase sempre contraída diversas vezes pela pessoa, o que desencadeia problemas orgânicos crônicos. Há ocasiões em que quase toda uma aldeia é contaminada, dificultando a busca de alimentos, o plantio, a caça e outras atividades produtivas. Este cenário de escassez alimentar, adoecimentos e perda das condições do bem viver responde pela prática de mais de 19 suicídios neste período, 15 deles cometidos por jovens Kanamari.

É forçoso reconhecer que a situação vivida pelos povos indígenas nesta região é resultado do descaso do governo brasileiro e da falta de planejamento de ações de longo prazo. O quadro de doenças e de epidemias vem sendo sistematicamente denunciada, inclusive em meios de comunicação internacionais. E, nestas circunstâncias tão dramáticas, a omissão bem poderia ser entendida como crime de genocídio, uma vez que, mesmo contando com destinação orçamentária específica (e não plenamente executada em 2010) o governo brasileiro não assegurou o provimento da atenção necessária à saúde destes povos.

Campinápolis/MT

A terra indígena Parabubure, do povo Xavante, localizada a 562 km de Cuiabá, apresenta também uma taxa de mortalidade infantil alarmante. Segundo noticiou o sítio Notícias NX, das 200 crianças nascidas no ano de 2010, 60 morreram em decorrência de doenças respiratórias, parasitárias e infecciosas, o que corresponde a 40% do total de nascimentos do período. Esta terra indígena está registrada desde 1987, mas a comunidade Xavante sofre com a falta de assistência adequada em saúde, já tendo casos de mortes por desassistência denunciados pelo Cimi no Relatório de Violência contra os Povos Indígenas de 2009.

As mais de 100 comunidades situadas na região do Médio Araguaia reclamam a falta de veículos, de medicamentos e de equipes técnicas para atender as mais de sete mil pessoas que vivem ali. A situação é precária, não há médicos, enfermeiros e nem meios de transporte para levar os doentes à cidade, conforme reportagem publicada no Diário de Cuiabá/MT, em 15/10/2010.

Tal como ocorre na terra indígena Vale do Javari, os índices de mortalidade infantil na aldeia Xavante de Campinápolis chegam a quase 100 óbitos para cada 1.000 crianças que nascem. Em outubro deste ano lideranças indígenas acamparam na sede da Funasa, protestando contra a falta de uma política adequada de atenção à saúde indígena. Apesar das diferentes formas de mobilização e de luta dos povos indígenas, no dia a dia o que eles encontram é o abandono e a omissão.

Mato Grosso do Sul

O estado de Mato Grosso do Sul, que abriga uma população estimada em 40 mil Guarani-Kaiowá, é recordista em violências contra os povos indígenas, e concentrou a maioria dos assassinatos de indígenas no país em 2009: das 60 ocorrências registradas no Relatório de Violências Contra Povos Indígenas, organizado pelo Conselho Indigenista Missionário, 33 foram praticados neste estado da federação. Ali, as comunidades indígenas são obrigadas a viver em beira de estradas, são expulsas de seus acampamentos e sofrem todo tipo de abusos. Além disso, registraram-se 19 casos de suicídio no mesmo ano naquele estado, e este índice é 10 vezes superior à média nacional.

A dura realidade vivida pelos Guarani-Kaiowá em Mato Grosso do Sul está diretamente relacionada com a situação de confinamento em terras insuficientes e sem condições ambientais adequadas. Na reserva de Dourados, por exemplo, eles estão submetidos a circunstâncias desumanas e indignas, que se revertem em doenças, em suicídios e em um alto índice de mortalidade infantil. Para se ter uma idéia da dramática situação, basta uma leitura das manchetes dos jornais da região: "Indígena de 18 anos é encontra morta em aldeia de Dourados"; "Identificada indígena assassinada a pedradas"; "Adolescente indígena é assassinado a faca em Amambai"; "Indígena de 14 anos comete suicídio em Sete Quedas"; "Indígena é morto com golpes de faca em Dourados"; "Índio morre com machadada no rosto após confusão em aldeia"; "Mãe de 82 anos e filha são mortas a golpes de facão".

Como é possível construir uma vida digna e adequada para as crianças Guarani-Kaiowá, em condições tão absurdas e desumanas? A violência cotidiana, o confinamento, as condições precárias de vida aniquilam as formas tradicionais de acolhimento e de integração das crianças ao mundo social indígena. Não bastasse tudo isso, de acordo com os dados do Distrito Sanitário de Mato Grosso do Sul a mortalidade infantil nas áreas indígenas é de 41 mortes de crianças menores de cinco anos para cada 1000 nascidas vivas.

Jordão/AC


Uma pesquisa realizada pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo demonstrou que a desnutrição infantil no município de Jordão, no Acre, atinge níveis muito superiores ao que se registra no restante do Brasil, e se aproxima dos estimados para a África subsaariana. A diferença é que, no caso da cidade acreana, não se trata de falta recursos naturais ou alimentares na região, e sim das péssimas condições de vida e da desigualdade no acesso aos bens e recursos.

Esta pesquisa, realizada pelo enfermeiro Thiago Santos de Araújo, considerou um total de 478 crianças de até cinco anos de idade da zona urbana e rural. Após fazer as medições de peso e altura, ficou constatado que 35,8% delas apresentaram déficit de crescimento, principal indicador da desnutrição. O valor encontrado é alarmante, principalmente quando comparado com a média do Brasil, de 7% e da região norte, de 14,8%. "É como se tivéssemos uma realidade africana em plena floresta amazônica, mostrando que a riqueza natural lá encontrada não consegue superar as condições sociais que influenciam na determinação desse problema", pondera o autor do estudo. Crianças indígenas apresentaram os maiores índices de desnutrição, quase 60%.

As escolhas do governo brasileiro e seus efeitos

Os casos aqui registrados, em diferentes pontos do país, mostram alguns efeitos das escolhas feitas pelo governo brasileiro, sob o comando do presidente Lula. Privilegiando interesses econômicos e políticos específicos, o governo colabora para tornar hostis as relações estabelecidas com setores sociais desfavorecidos, em especial as populações indígenas. A demarcação das terras, dever do Estado, não se tornou prioridade e muitos dos procedimentos demarcatórios se encontram paralisados. Poucas foram as terras regularizadas nos dois mandatos do presidente Lula: ele homologou apenas 88 terras, sendo que muitas delas tiveram os procedimentos iniciados em governos anteriores.

Assim, enquanto o Brasil segue uma rota supostamente segura em direção ao crescimento e à estabilidade, conforme alardeiam os discursos midiáticos e as estatísticas governamentais, amplia-se o fosso que separa aqueles considerados dignos de viver neste "novo Brasil" e os que estão fadados ao abandono e à exclusão. Os povos indígenas, essas gentes consideradas residuais e desnecessárias nos discursos desenvolvimentistas, são desrespeitadas de muitas formas e tem sido condenadas a viver no "olho do furacão", atormentadas por intermináveis conflitos, vítimas do descaso do poder público e, não raramente, são ainda culpabilizadas pelas agressões das quais são vítimas.

As escolhas principais do presidente Lula, em quase uma década de governo, estiveram centradas num projeto que se concretizou particularmente no Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC. Não por acaso os bancos e as empreiteiras obtiveram maior lucratividade neste longo período. Nos últimos anos, além dos tradicionais conflitos envolvendo a posse e demarcação das terras indígenas, estabeleceram-se ainda outros, decorrentes das grandes obras de infra-estrutura, ou de interesses econômicos regionais e locais que hoje encontram amparo nos discursos de progresso a qualquer custo. E o que move a desenfreada marcha desenvolvimentista é, obviamente, o interesse econômico de grandes empresas, muitas delas visceralmente ligadas a partidos políticos expressivos no cenário nacional, através de investimentos em campanhas eleitorais.

No embalo de uma onda de crescimento mundial, o Brasil soube aproveitar as oportunidades e projetar-se como um país viável, afirmam muitos analistas políticos. Não se pode dizer o mesmo, porém, dos investimentos em políticas sociais. Infelizmente, a marca deste governo neste campo é o assistencialismo, que minimiza os impactos imediatos da desigualdade, mas não configura e nem viabiliza a redistribuição efetiva dos bens ou maior equidade no acesso aos recursos culturais disponíveis.

E há um alto preço a pagar pela projeção do "desenvolvimento econômico" que, na prática, fortalece apenas os grandes capitalistas sem o devido cuidado com o âmbito social. A desregulamentação de certos setores, a fragilização das leis ambientais, o desmonte da legislação trabalhista, o desrespeito aos preceitos constitucionais, a morosidade nos processos de demarcação das terras indígenas parecem ser estratégias deliberadas, assumidas pelo governo, com consequências para a vida de centenas de pessoas, e que, portanto, não podem ser vistas como meros "efeitos colaterais".

Ao que parece, trata-se de uma escolha e não propriamente de escassez de recursos para assegurar a vida dos povos indígenas. Vale ressaltar que em 2010 o governo liquidou apenas 64,24% do orçamento indigenista e, particularmente nas rubricas relativas à segurança alimentar e nutricional e à proteção e recuperação da Saúde Indígena, foram utilizados apenas 51,36% e 63,69% dos recursos autorizados, respectivamente.

Sejam quais forem as metas econômicas traçadas para o país, a morte de tantas crianças, pertencentes a povos tão massacrados historicamente, não pode ser considerada aceitável. E, sob nenhuma circunstância, a negligência com os direitos desses cidadãos do presente e do futuro pode encontrar amparo em uma sociedade que define a si mesma como democrática.

Tal como o nascimento, na cultura ocidental contemporânea, a morte também pode adquirir diversos significados - mas a morte que decorre da omissão do Estado não pode, de modo algum, ser esquecida. Não há como calar a voz diante do extermínio lento e gradativo dos povos indígenas.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

UM GRAVE ALERTA: "PELUSO VIOLA O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO"

Pouco dado a declarações bombásticas, o advogado de Cesare Battisti, Luís Roberto Barroso, desta vez se viu obrigado a deixar de lado sua fleuma, tamanha foi gravidade da decisão do presidente do Supremo Tribunal, de prolongar a prisão ilegal (sequestro, portanto) do escritor italiano, bem como das inaceitáveis declarações que Cezar Peluso fez à imprensa na tentativa de justificar seu desatino, não só prejulgando o caso que poderá vir a ter de julgar, como deixando perceber sua intenção de revisar a palavra final do Estado brasileiro, dada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva:

"[O] Ministro Peluso (...) viola a decisão do próprio Supremo Tribunal Federal, o princípio da separação de poderes e o Estado democrático de direito.

[Peluso, que] votou vencido no tocante à competência do Presidente da República na matéria (...) não pode, legitimamente, transformar sua posição pessoal em posição do Tribunal. Como qualquer observador poderá constatar da leitura dos votos, quatro Ministros do STF (Ministros Marco Aurélio, Carlos Ayres, Joaquim Barbosa e Carmen Lúcia) entenderam que o Presidente da República poderia decidir livremente. O quinto, Ministro Eros Grau, entendeu que, se o Presidente decidisse com base no art. 3, I, f, do Tratado, tal decisão não seria passível de revisão pelo Supremo. O Presidente da República fez exatamente o que lhe autorizou o Supremo Tribunal Federal, fundando-se em tal dispositivo e nas razões adiantadas pelo Ministro Grau.

A manifestação do Presidente do Supremo (...) constitui uma espécie de golpe de Estado, disfunção da qual o país acreditava já ter se libertado. Não está em jogo o acerto ou desacerto político da decisão do Presidente da República, mas sua competência para praticá-la. Trata-se de ato de soberania, praticado pela autoridade constitucionalmente competente, que está sendo descumprido e, pior que tudo, diante de manifestações em tom impróprio e ofensivo da República italiana.

De mais a mais, as declarações das autoridades italianas após a decisão do Presidente Lula, as passeatas e as sugestões publicadas na imprensa de que Cesare Battisti deveria ser seqüestrado no Brasil e levado à força para a Itália, apenas confirmam o acerto da decisão presidencial. Em uma democracia, deve-se respeitar as decisões judiciais e presidenciais, mesmo quando não se concorde com elas".

TARSO GENRO: STF AGE DE FORMA "ILEGAL" E "DITATORIAL"

Também o ex-ministro da Justiça e atual governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, subiu o tom, acusando o STF de agir de maneira "ilegal" e "ditatorial", o que causa um "prejuízo institucional grave" e um "abalo à soberania nacional"

Para ele, não é desde o último dia 31 que o escritor italiano está sequestrado pelo STF, mas sim há dois anos:

"Battisti está preso ilegalmente desde o momento em que eu despachei o refúgio, pois a lei que rege o assunto determina que o processo de extradição fica interrompido a partir deste ponto.

Quando o Supremo Tribunal Federal, que é a instância máxima do Judiciário, age de forma absolutamente ilegal e ditatorial como agora, cria-se a pior das situações, pois não há mais a quem recorrer.

Esta deixou de ser uma questão jurídica. É uma questão política”.

ATO PÚBLICO EM DEFESA DO PRESO POLÍTICO BATTISTI



No último dia do seu mandato, o presidente Lula determinou a não extradição de Cesare Battisti. No entanto, ele continua preso no Rio de Janeiro por decisão do Supremo Tribunal Federal do Brasil. Muitos temem que o STF efetue um golpe judicial e que o envie para a Itália berlusconiana. Por isso, no próximo sábado, 15, às 15 horas, haverá uma sessão pública em Lisboa no Teatro A Comuna (Pr. Espanha). A sessão será transmitida em directo no sítio web http://passapalavra.info

MANIFESTO COMUNISTA EM QUADRINHOS

Do: Gibiteca - Outro Lado da Notícia

O professor universitário George Rigakos, de Ottawa, nos Estados Unidos, transformou o Manifesto Comunista de Karl Marx e Friedrich Engels em uma série de graphic novels.

Lançado no final do mês passado pela Red Quill Books, The Communist Manifesto IllustratedHistorical Materialism, 32 páginas sobre os primeiros momentos do comunismo na Europa e a caça contra os partidários das ideias políticas, sociais e econômicas de Marx e Engels. traz no primeiro volume,

As HQs são intencionalmente panfletárias e o autor não esconde isso nas entrevistas que tem concedido a sites dos EUA. Para ele, essa é uma forma lúdica de apresentar os ideais marxistas às novas gerações.

De qualquer forma, a coleção pode ser, ao mesmo tempo, arma e alvo dos inflamados discursos que caracterizam o eterno conflito ideológico entre comunistas e capitalistas.

Adaptada por Rigakos, com desenhos de Red Viktor, The Communist Manifesto Illustrated terá quatro edições.

DILMA É CAPA DE REVISTA DE CELEBRIDADES NA BULGÁRIA



Dilma estampa a capa da edição atual da versão búlgara da revista 'Hola!'
Foto: Divulgação

De: Outro Lado da Notícia

Filha do búlgaro Pétar Russév (aportuguesado para Pedro Rousseff), a presidente Dilma Rousseff estampa a capa da edição atual da versão búlgara da revista de celebridades Hola!, criada na Espanha em 1944. Descrita na reportagem como "ativista contra a ditadura militar", a presidente é retratada com terninho vermelho e a mão erguida - uma das fotos da campanha presidencial - e, ao contrário do hábito de revistas do gênero, não tem sua vida pessoal exposta na matéria.

Em substituição a referências amorosas, a publicação exibe parte da trajetória da chefe do Executivo brasileiro e aponta políticas de recuperação econômica, promessas de reforma da Previdência Social e a redução da pobreza de 29 milhões de pessoas - balanço do programa Bolsa Família no governo Lula - como fatores que a levaram a ocupar a cadeira mais importante do Palácio do Planalto.

A vida de Dilma Rousseff, que será publicada em uma segunda reportagem da Hola! Bulgária a partir desta quinta-feira, é comparada politicamente nesta primeira matéria às eleições de outras presidentes mulheres ao redor do mundo, como Vigdis Finpogadouhtir, na Islândia, e as sul-americanas Michelle Bachelet, no Chile, e Cristina Kirchner, na Argentina.

GOVERNO FORÇOU A IMPRENSA A CORRER

De: Rolf Kuntz, no Observatório da Imprensa

O novo governo conseguiu, já na primeira semana, ocupar o noticiário com iniciativas de peso. Não perdeu tempo esquentando o motor e consultando mapas. O principal entrave foi a briga entre o PT e seu maior aliado, o PMDB, por lugares no segundo escalão. Estavam em jogo 600 postos importantes em 102 estatais do setor produtivo e da área financeira, segundo informou no domingo (9/1) o Estado de S.Paulo.

A primeira iniciativa importante foi o bloqueio da maior parte do orçamento. Seria inevitável porque a lei orçamentária ainda não havia sido sancionada. Mas houve uma surpresa: os ministérios foram autorizados a gastar apenas R$ 2,9 milhões por mês até a sanção. Isso corresponde a 1/18 da verba prevista para o ano, em vez da parcela de 1/12 prevista em lei. Algum aperto era previsto, mas o bloqueio mais duro que o esperado talvez tivesse valido um destaque maior. No Estadão, a matéria apareceu na página 4, ocupando cinco colunas abaixo da dobra. No Globo, saiu na página 3, pouco acima da dobra, mas em uma coluna. Em outros jornais, a novidade foi menos valorizada.

No mesmo dia, sexta-feira (7/1), o noticiário econômico foi dominando pela decisão do Banco Central (BC) de impor um freio mais forte à valorização do real (ou, visto do outro lado, à depreciação do dólar). O lance foi anunciado de manhã pelo diretor de Política Monetária, Aldo Mendes, horas antes da primeira entrevista coletiva do novo presidente da instituição, Alexandre Tombini. Também o BC, sob nova direção, começou o ano a todo vapor.

Os jornais fizeram um bom esforço para traduzir a expressão "posição vendida" e para explicar a aposta dos bancos na valorização da moeda brasileira. O Estadão e a Folha de S.Paulo usaram gráficos para descrever o jogo. Detalhe curioso: várias decisões econômicas do Executivo têm saído nos cadernos de Política; as ações do BC, incluída nova intervenção na área cambial, têm aparecido nos cadernos de Economia.

Mensagens fortes

A safra das novidades em termos de orientação política – ou de sinais de mudança – tem sido farta. Por enquanto, há principalmente sinais, mas todos parecem importantes. O Valor foi o primeiro a indicar uma nova etapa na chamadas políticas sociais. Na capa de segunda-feira, 3/1, o maior título mencionou "planos de saída no Bolsa Família". O novo governo, segundo a matéria, fará um esforço maior para estimular a independência econômica dos beneficiários do programa. Parte do trabalho consistirá em preparar a clientela para pequenos empreendimentos. Sem criticar a fase anterior, o novo governo parece dar alguma razão a quem apontava a falta de portas de saída para complementar o Bolsa Família. O assunto só apareceu com destaque nos outros jornais na sexta-feira, depois da primeira grande reunião ministerial sobre o combate à pobreza.

Dois grandes temas da primeira semana foram tratados de forma burocrática pelos jornais. O primeiro foi o discurso de posse. Repórteres e editores deram destaque a obviedades, como os elogios da presidente Dilma Rousseff a seu antecessor e sua promessa de avançar no combate à pobreza. Houve detalhes bem mais interessantes no discurso apresentado no Congresso. A presidente usou a expressão "valor absoluto" para qualificar a estabilidade econômica. Essas palavras seriam surpreendentes mesmo se pronunciadas por um governante considerado "ortodoxo".

Outro ponto notável foi a promessa de cautela nos investimentos do pré-sal – para evitar, como explicou a presidente, imprudência no endividamento. Esses e outros pormenores não estavam lá por descuido, até porque o discurso foi revisto, criticado e ajustado mais de uma vez. Eram mensagens fortes e valia a pena dar-lhes um pouco mais de atenção.

Índice negligenciado

O segundo grande assunto mal explorado foi a inflação. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado como referência oficial para a política de juros, subiu 5,9% em 2010. Foi a maior taxa em seis anos e todas as manchetes e grandes chamadas do sábado valorizaram esse ponto. As matérias, de modo geral, puseram em primeiro plano o peso do custo dos alimentos na formação desse índice. A importância das cotações internacionais foi ressaltada principalmente na Folha de S.Paulo. Quase todos foram pouco além da informação distribuída pelo IBGE e de algumas opiniões de entrevistados. Era, no entanto, um bom momento para uma revisão de como as pressões inflacionárias se manifestaram em 2010 e das condições da demanda interna.

Não se deu atenção, por exemplo, ao índice de difusão: em dezembro, mais de 60% dos componentes do IPCA encareceram. A evolução dos núcleos, outra pista importante da tendência geral dos preços, também foi negligenciada. Todos esses detalhes, no entanto, estavam disponíveis e serão, muito provavelmente, levados em conta pelos membros do Comitê de Política Monetária (Copom), em sua próxima decisão sobre os juros, neste mês.

STF RESOLVEU RETROCEDER ENQUANTO A DEMOCRACIA AVANÇA


De: Solano Nascimento, da UnB, no Envolverde

A decisão da presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) de registrar em seu sistema de dados apenas as iniciais de réus de inquéritos penais, ainda que careça de mais esclarecimentos, já pode ser analisada sob pelo menos dois aspectos: o das consequências para a imprensa e o das consequências para a sociedade. Abusando de advérbios, é possível dizer que no primeiro aspecto ela é praticamente inócua e, no segundo, profundamente danosa.

Se há alguma intenção de impedir que informações de processos cheguem a jornalistas é bom o STF buscar alguma outra estratégia. É possível que uma ou outra matéria, algum levantamento numérico sobre processos contra políticos e coisas assim sejam dificultados, mas o risco de jornalistas não obterem informações relevantes por conta da medida é pequeno por muitas razões.

Uma delas é que em grande parte dos casos as iniciais de um réu são suficientes para uma primeira identificação de quem se trata. Talvez não dê mais para fazer um levantamento em cinco minutos, mas uma apuração mais calma e cuidadosa é até recomendável. Outra razão é a dificuldade enorme que felizmente existe de impedir a divulgação de informações. Dificuldade que o próprio Judiciário comprovou no ano passado ao tentar censurar a publicação pelo Estadão de acusações contra um filho do senador José Sarney e acabar vendo todas as denúncias relevantes sendo publicadas pela Folha. Ou seja, foi possível calar um jornal, não a imprensa.

A principal razão, no entanto, é o fato de o Judiciário ser mais um escoadouro de informações do que um fornecedor de novidades para a imprensa. Quase tudo que tem apelo jornalístico e se transforma em processo, ainda mais em casos que chegam à instância do STF, é vazado para jornalistas por policiais, membros do Ministério Público, advogados e outros interessados. Levantamento que fiz abrangendo as três maiores revistas semanais de informação do país – Época, IstoÉ e Veja – nos anos de eleição presidencial entre 1989 e 2006 mostrou que apenas 8,6% das reportagens feitas com base em investigações oficiais tiveram o Judiciário como fonte. Nada comparável ao fornecimento de informações pelo Ministério Público, pela Polícia Federal e por CPIs, por exemplo.

É possível argumentar que a intenção da presidência do STF é proteger réus que, muitas vezes inocentes, acabam tendo suas vidas devassadas pela imprensa. No entanto, omitir dados não é melhor antídoto para isso. O Judiciário que tenta agora dificultar o acesso a dados é o mesmo que retarda e dificulta a tramitação de processos contra jornalistas e meios de comunicação que, por negligência ou má fé, publicam informações erradas.

Já em relação às conseqüências para a sociedade, a decisão da presidência do STF é mais complexa. O chamado cidadão comum não tem, muitas vezes, as ferramentas que tem um jornalista para obter informações e pode ser muito mais prejudicado que um repórter pela ocultação de dados.

Desde a década de 1990, quando o Executivo começou a facilitar o acesso a informações sobre o Orçamento da União, o processo de transparência nos três poderes da República só se desenvolve. Hoje qualquer cidadão pode saber o nome de um fornecedor do governo e quanto ele recebeu, qual o valor pago em diárias para um servidor público e qual nota um parlamentar usou para justificar determinada despesa. Mesmo no Judiciário, a Justiça Eleitoral acompanhou esse movimento e facilita o acesso a informações, por exemplo, sobre patrimônio de políticos e doações de campanha. Ou seja, enquanto a democracia avança, a presidência do STF resolveu retroceder.

ESCALA É A GRANDE DIFERENÇA ENTRE EMPRESAS BRASILEIRAS E ESTRANGEIRAS, SEGUNDO IPEA

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) fez um extenso levantamento das razões pelas quais o Brasil não ocupa um papel de destaque no que se refere à inovação na área de TIC. Um dos principais fatores é a escala de produção em que trabalham as empresas brasileiras, o que se reflete no volume de recursos destinados à Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) no País.

O Ipea identificou 56 empresas nacionais contra 19 estrangeiras - classificadas em líderes, seguidoras frágeis e emergentes. Entre as estrangeiras não foi encontrada nenhuma empresa da categoria "frágil" ou "emergente". A receita líquida de vendas das firmas estrangeiras superou os R$ 23 bilhões em 2005 (ano em que os dados foram compilados) ao passo que a receita líquida de vendas das empresas brasileiras foi de R$ 1,1 bilhão. A remuneração média das empresas líderes estrangeiras foi de R$ 76 mil por ano, enquanto que as brasileiras nacionais pagaram aos seus funcionários R$ 28 mil por ano. Mesmo a remuneração média das seguidoras estrangeiras é superior às líderes nacionais: R$ 36 mil por ano.

No que se refere aos gastos com atividades de inovação, as companhias brasileiras investem em termos relativos até mais que as estrangeiras: 6,5% da receita líquida contra 3,3%. Entretanto, em números absolutos, os gastos em P&D de algumas empresas estrangeiras são muito superiores ao faturamento das companhias nacionais. De acordo com as informações reunidas pelo Ipea, Microsoft e Nokia são as companhias que mais investem em P&d na área de TICs, com cerca de 5 bilhões de euros cada por ano. Depois vem Samsung (4,4 bilhões de euros) e Intel (3,9 bilhões de euros). "As firmas estrangeiras atuam no mercado brasileiro com uma escala de operação de outra grandeza, quando comparada às firmas nacionais", constata o Ipea. Os dados foram retirados do estudo "Panorama da Comunicação e das Telecomunicações no Brasil", divulgado na última terça, 11.

A informação é do Teletime

terça-feira, 11 de janeiro de 2011


LUNGARZO: PELUSO PODE SER IMPEDIDO POR MANIPULAR CASO BATTISTI

O professor Carlos A. Lungarzo, da Anistia Internacional, levanta a possibilidade de impeachment do presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, por haver alterado ilegalmente a decisão do STF referente ao pedido italiano de extradição do escritor Cesare Battisti, efetuando "uma manipulação pública, vista por milhões de pessoas".

Como se trata de assunto de extrema gravidade, sugiro a leitura atenta do parecer de Lungarzo, abaixo na íntegra.

DECISÕES JUDICIAIS E CRIME DE ALTERAÇÃO
Carlos A. Lungarzo, da Anistia Internacional


Extradição e decisão presidencial


No processo de extradição passiva 1085, onde o requerido era o escritor Cesare Battisti, o Supremo Tribunal Federal julgou dois aspectos. Um foi a admissibilidade de extradição, o outro foi a faculdade do Chefe de Estado para decidir sobre a execução efetiva do ato extradicional. Ambas as questões foram decididas na sessão de 18/11/2009. Como é bem sabido, o tribunal autorizou a extradição por 5 votos contra 4. No final da sessão, foi colocado em votação o direito do presidente para executar ou indeferir a extradição.
Os cinco ministros Marco Aurélio, Joaquim Barbosa, Ayres Britto, Carmen Lúcia e Eros Grau votaram que o chefe de estado poderia decidir, de maneira discricionária. Já os ministros Peluso, Mendes, Lewandowski e Ellen Gracie votaram contra.
Todavia, no dia 16 de dezembro, por causa de uma moção de ordem colocada pela Itália, a questão foi reaberta, provocando indignação nos juízes Marco Aurélio e Britto. Durante o debate, Peluso tentou pressionar Eros Grau para que votasse contra o que fora decidido na sessão anterior. Grau reclamou de estar sendo mal interpretado, mas acabou aceitando que a discricionariedade do presidente ficaria limitada pelo Tratado de Extradição entre o Brasil e a Itália.
Finalmente, o documento que ficou aprovado e foi publicado no acórdão de abril de 2010, disse, com outras palavras, que: autorizada a extradição pelo STF, o presidente fica facultado a executar a extradição ou a recusar sua aplicação, desde que, para tanto, se baseie no Tratado.
De fato, esta “liberdade” que o STF deu ao presidente não era necessária: a Constituição Federal considera o chefe de estado como representante da nação na política internacional e, além disso, toda a jurisprudência anterior, sem exceção, afirma o direito do presidente de escolher entre acatar o parecer de extraditar ou rejeitá-lo. É significativo que, alguns dias antes, o STF tivesse autorizado uma extradição ao Estado de Israel, deixando ao presidente o direito de decidir. Aliás, o sistema “misto” de extradição (usado no Brasil e em quase todos os países) determina que o judiciário “proteja” o extraditando, proibindo ao executivo sua extradição, se houvesse motivo para isso, mas autorizando quando a situação fosse legalmente viável. Nesse caso, ficaria a critério do presidente aproveitar a autorização ou reter o estrangeiro.
Mesmo assim, foi muito bom que o STF chegasse a uma decisão explícita sobre isso. Se, mesmo assim, o ministro Peluso decidiu alterá-la, o que ele poderia ter feito sem uma decisão explícita?
Na sessão em que foi votada esta matéria, por causa das constantes pressões de Mendes e, sobretudo, de Peluso, Eros Grau parecia muito nervoso, mas ainda assim a decisão final da corte foi clara. Posteriormente, Grau tratou o problema com maior detalhe numa matéria que publicou no Consultor Jurídico, em 29/12/2009 (vide).
Após alguns argumentos muito precisos, Grau disse que o presidente pode recusar a extradição autorizada pelo tribunal nos termos do Tratado. Pode fazer isso em alguns casos que não são examináveis pelo tribunal, e menciona precisamente o artigo 3º, I, que foi o utilizado por Lula. A idéia do magistrado, coerente com toneladas de jurisprudência e doutrinas internacionais, é que o presidente pode negar a extradição por um fundado temor de perseguição do estrangeiro no país requerente, mas esse temor não pode ser avaliado pelo judiciário. Como responsável pela política externa, é o executivo e seus assessores os que melhor podem “sentir” se há perigo ou não.
O tratado entre o Brasil e a Itália
Esse Tratado (veja aqui) foi assinado em Roma em outubro de 1989, aprovado por Decreto Legislativo no Brasil em novembro de 1992, e finalmente aprovado por Decreto em julho de 1993. Nos artigos 3º, 4º e 5º se enunciam condições que exigem a recusa da extradição. O artigo 4º não é relevante neste caso, pois proíbe a extradição a países onde há pena de morte, o que não acontece na Itália.
O artigo 3º e o 5º são ambos aplicáveis ao caso Battisti. No item I, inciso (f) do artigo 3º, proíbe-se a extradição quando existam motivos para pensar que o requerido possa ser perseguido por pertinência a algum grupo designado (racial, religioso, político, etc.), ou sua situação pudesse ser agravada por causa disso.
No artigo 5º, (a) também se veda a extradição quando a pessoa reclamada “tiver sido ou vier a ser” submetida a um processo sem direito de defesa. Battisti não teria novo julgamento, e ele já tinha sido submetido a um julgamento em ausência, sem provas, sem testemunhas, com advogados falsos e com base em alguns documentos falsificados. Este ponto aplica-se plenamente. O inciso (b) se refere ao perigo de que o extraditado possa sofrer a violação de seus direitos humanos básicos, o que é evidente, tendo em conta as práticas de tortura e tratos degradantes aplicados na Itália a presos políticos, e as ameaças de morte contra ele proferidas por sindicatos (carabineiros e policiais), por associações neofascistas, e até por alguns políticos.
Parecer da AGU e decisão do presidente
No dia 31 de Dezembro de 2010, o presidente Lula fez conhecer sua decisão sobre a extradição, recusando sua aplicação e retendo Cesare Battisti no país sob a figura jurídica de imigrante (residente permanente). A decisão foi publicada no Diário Oficial da União em sua edição adicional do próprio dia 31.
A decisão foi baseada no parecer emitido pela Advocacia Geral da União (AGU), assinado pelo advogado geral substituto, Albuquerque Faria, que o elaborou se fundamentando no parecer do consultor da União Arnaldo de Moraes Godoy.
O parecer e é longo, consistente, articulado e detalhadamente fundamentado. Ele é mais do que suficiente para justificar o “fundado temor de perseguição”, pois o consultor se baseia em fatos notórios que são de domínio público. Ele aplica o item 3.I.f, argumentando que a situação de Battisti poderia se agravar na Itália, tendo em conta as grandes manifestações em sua contra. É um fato que qualquer pessoa sem interesse em prejudicar Battisti, responderia de olhos fechados. Vejamos como seria a pergunta:
Uma pessoa estará segura, permanecendo presa num país onde centenas de pessoas vinculadas ao estado promovem manifestações de repúdio contra ele?
Se os inimigos o atacam com ódio, e até incluem Lula em seus ataques, a 10 mil Km, o que poderiam fazer se o tivessem em seu poder?.
Eventualmente, poderia acontecer que Battisti fosse preso e sobrevivesse na prisão, até porque o governo não gostaria, talvez, matar alguém que é tão conhecido. Mas, isso tem uma probabilidade baixa. Os carcereiros italianos pertencem a uma federação de sindicatos de alcance nacional que várias vezes declarou seu desejo de “acertar contas” com o escritor. Aliás, o ministro La Russa manifestou como era grande seu desejo de torturar Battisti. Não se conserva nenhum registro de Adolf Hitler onde ele manifestasse seu desejo de torturar ninguém (embora sim, de matar).
O parecer é mais do que suficiente, mas cabe salientar que os autores manifestam várias vezes, seu grande respeito pelas instituições italianas. Também, afirmam que não terão em conta a fraude das procurações, embora não afirmem nem neguem sua existência. Tudo indica que os autores não queriam irritar Itália, mas esse espírito pacífico não foi útil: de fato, o presidente do STF, Antonio Cezar Peluso, não procurava acordo, mas, pelo contrário, confronto, como veremos a seguir.
O pedido de soltura
No dia 3 de janeiro, a equipe de defesa de Battisti solicitou ao presidente do STF, Cezar Peluso a soltura do ex-extraditando, com base no fato de que, uma vez extinta a extradição, a manutenção do estrangeiro em prisão era ilegal.
O chefe da equipe, o jurista Luís Roberto Barroso, apresentou junto com o pedido um raciocínio singelo:
Se o STF passou a Lula a responsabilidade pela decisão, cabe ao executivo também concluir essa decisão, colocando em liberdade o ex-extraditando. Ele faz notar que, se Lula tivesse decidido em favor da extradição, ele poderia entregar o prisioneiro à Itália e, sem dúvida, ninguém lhe pediria uma permissão do STF para fazer isto. Portanto, não cabe ao tribunal reavaliar o processo. Barroso acrescenta:
O julgamento já foi concluído, a decisão já transitou em julgado, e o processo de extradição já foi, inclusive, arquivado. Já não é possível, juridicamente, reabrir a discussão acerca da competência do presidente da República [...] Trata-se de dar cumprimento ao que foi decidido, em cumprimento às instituições.
Consistente com o fato de que problema agora deixou de ser judicial, Barroso pede, também, que o Ministério da Justiça libere Battisti.
Peluso recebeu, na mesma época, uma ordem da Itália de manter Battisti preso, e como tinha feito pelo menos 7 vezes durante o julgamento, obedeceu. No dia 6 de janeiro disse que Battisti devia continuar preso, e que o assunto será encaminhado para o novo relator, Gilmar Mendes.
O deboche contra o executivo e o próprio judiciário fica evidente, mas o representante legal da Itália, com um raciocínio torpe e insultuoso, deixou isso ainda mais óbvio. O advogado da Itália disse, explicitamente, que Lula usurpou funções, porque deveria ter adotado como decisão o parecer do STF: extraditar. Embora o advogado não continuou seu “raciocínio”, o que ele disse significava isto: o STF teria dado a Lula apenas a faculdade para decidir entre estas alternativas: (1) extraditar Battisti ou (2) extraditar Battisti. Quer dizer, que o STF teria dado a Lula a “liberdade” aparente de mostrar obediência. Este comentário é um grave insulto contra os juízes do STF que votaram em favor da decisão presidencial. No momento de negar a liberdade de Battisti pedida por Barroso, Peluso manifestou, de maneira oblíqua, o privilégio do STF para dar a última palavra. Ou seja, para a lógica do ex-relator, podem existir duas últimas palavras ou, então, a realidade é que a outorga da última palavra a Lula foi uma farsa.
Trata-se de uma amostra de desprezo capital não apenas contra o executivo, mas também contra o judiciário, pois significa que uma decisão tomada por um colegiado ou por um juiz, pode ser distorcida por alguém que se apresenta como dono absoluto da decisão.
Peluso ainda disse que não tinha certeza de que Battisti estaria em risco se voltasse a Itália. Cabe ao ministro Peluso apenas apreciar se Lula se pronunciou de acordo com o Tratado, mas não apreciar a subjetividade do presidente. Se a opinião de Lula estivesse sujeita à opinião do STF e este pudesse anulá-la, qual seria o valor do direito de decisão?.
Isto prova de maneira ainda mais contundente, que Peluso e Mendes assumiram aquela decisão do STF como uma formalidade que não pensavam cumprir, e que realmente sua intenção era extraditar o italiano passando por cima da decisão do presidente, e dos colegas que reconheceram o direito do executivo.
Reações qualificadas
O ministro do STF, Carlos Ayres Britto, afirmou logo em seguida de conhecida a decisão de Lula, que o presidente do STF, Cezar Peluso pode decidir sozinho pela soltura imediata de Battisti. De acordo com Britto, sem a extradição cai o fundamento da prisão. Esta foi a opinião de muitos juristas e políticos, cuja lista não caberia neste artigo. Idêntica foi a manifestação de Marco Aurélio, que defendeu o direito de Battisti a ser liberado logo que a decisão de Lula tivesse sido publicada. O mesmo parecer foi o do jurista Dalmo de Abreu Dallari, que se estendeu detalhadamente sobre o tipo de arbitrariedade cometida por Peluso.
A teoria do golpe
Conhecida a negativa de Peluso a soltar Battisti, Luís Barroso, uma pessoa que surpreende por sua equanimidade e seu temperamento calmo, manifestou grande indignação. Afirmou que o ato de Peluso era uma espécie de golpe, e ainda acrescentou que essa “disfunção” parecia ter desaparecido da realidade brasileira. Ou seja, não duvidou em comparar o golpe de Peluso com outros golpes (disfunções). O ex-ministro Tarso Genro, agora governador de RS, qualificou estes fatos como ditadura.
Entre os mais famosos e violentos golpes acontecidos na América Latina, há diferenças de tipos de aliança, graus de cumplicidade e relevância dos papeis de diferentes agentes políticos. Na Argentina, onde os militares tiveram até 1982 um poder absoluto, em aliança com a Igreja e os latifundiários, as forças armadas controlaram a vida civil até nos breves períodos de aparente democracia. Por esse motivo, todos os golpes se originaram no ambiente militar e nos partidos políticos cúmplices, e geraram ditaduras onde o elemento castrense foi o principal.
No Chile e no Uruguai, países com tradição democrática e laica, com poucos golpes em sua história, os assaltos ao poder de 1973 deveram ser preparados por uma prévia campanha de provocação da imprensa, as empresas, a CIA e, no caso do Chile, o judiciário. Já Brasil foi um caso intermédio, onde os fatores de provocação foram deflagrados pelos grandes proprietários, os agentes americanos, e as organizações católicas que prepararam a Marcha que antecedeu o golpe.
Em Honduras, em 2009, o golpe corresponde a outra época, onde o papel militar está reduzido. As forças armadas atuaram principalmente na repressão popular e no seqüestro e desterro do presidente Zelaya. A consagração da ditadura seguinte e a convocação das eleições fraudadas foram planejadas pela Suprema Corte.
Portanto, não é um argumento correto para negar que a ação do ministro Peluso seja um golpe, aduzir o caráter incruento e não militar da ação do juiz. Não sabemos qual foi o motivo desse ato provocativo contra o executivo e o próprio judiciário, mas ele pode ser visto como um golpe parcial. Ele não derrubou nenhum governo, e provavelmente não tenha interesse em fazê-lo, mas contribuiu a tornar mais frágil o executivo, e a subordinar o resto do judiciário.
É importante perceber que a decisão do presidente Lula foi imediatamente denegrida, a custa de quaisquer inverdades, pela maior parte da grande mídia, que tem um histórico muito preciso de desestabilização de governos populares. Também, foi deflagrada uma campanha de ódio contra o presidente pelas figuras mais tortuosas do poder legislativo.
Golpe contra quem
O golpe “parcial” do presidente do STF afeta dois poderes:
1. O EXECUTIVO. (a) Não há, neste momento, nenhuma dúvida de que o Presidente tinha atributos legais para decidir em favor ou contra o ato de extradição. (b) A prisão de um extraditando só pode ser mantida durante o tempo que dure o processo. Se este acabar com a decisão favorável ao país requerente, o extraditando permanecerá preso até ser embarcado; se o processo culminar na rejeição, como neste caso, deve ser liberado. (c) O ministro Peluso, ao se recusar a liberar o ex-extraditando, nega a validade da decisão do presidente, numa manifestação de desacato.
2. O PRÓPRIO STF. No fundo, é o poder judicial o mais profundamente atacado. Vejamos. (a) O STF, por maioria, decidiu pela faculdade do presidente a decidir a favor ou contra a extradição, desde que respeitado o Tratado. (b) O parecer da AGU se baseia de maneira nítida no artigo 3.I.f desse Tratado, evidenciando que a situação de Battisti se agravaria na Itália. (c) Sendo que Lula agiu em estrito acatamento ao parecer da AGU, e este se baseia de maneira notória no tratado, as condições exigidas pelo STF estão cumpridas.
O presidente foi autorizado pelo STF a proferir a palavra final sobre a extradição. Se o STF pretende questionar sua decisão e rever o assunto, é claro que a palavra não será final. Chama-se final àquele estágio após o qual não nenhum outro!
Ao usurpar a tarefa do presidente, o ministro Peluso está (1) invadindo a área de incumbência do executivo, e (2) ALTERANDO a decisão do STF, da última sessão da EXT 1085. decisDO Necutivoo estionar sua decis proferir a palavra AGU, e este se baseia de maneira notdilte da grande mribunal Federal
Responsabilidade dos Ministros do STF
Na mesma forma que outras autoridades, os ministros do Supremo Tribunal Federal podem incorrer em crimes de responsabilidade. Os crimes de responsabilidade foram elencados na Lei 1079, de 10 de abril de 1950. Na Parte III, Título I, Capítulo I, se mencionam vários tipos de crimes aplicáveis a ministros do SPF. Em nosso caso, interessa apenas o primeiro. [Os grifos são meus]
Art. 39. São crimes de responsabilidade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal:
1- alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal;
Esta lei nunca foi derrogada, e embora alguns de seus artigos fossem absorvidos pela Lei 10.028, de 19 de outubro de 2000, o artigo 39 nunca perdeu sua validade. A pouca freqüência de sua aplicação se deve, em parte, a que raramente se cometem graves alterações nas decisões do tribunal.
Impugnação
Como qualquer outro ato fora da lei, a alteração de uma decisão jurídica pode ter diversos graus de gravidade. Obviamente, cabe aos juristas e não aos ativistas de direitos humanos, avaliar essa gravidade. No entanto, desde minha perspectiva de leigo, acredito que neste caso a alteração é muito grave e que, aliás, independe de ser um caso de extradição ou de qualquer outra natureza. Observemos:
1. Quando se discutiu no plenário do STF a faculdade do presidente da república para decidir, os ministros Peluso e Mendes aduziram que o assunto era confuso, e, especialmente Peluso, tentou forçar a decisão e confundir os que votavam em favor do chefe de estado.
2. Quando se percebeu vencido, Peluso proferiu uma evidente ameaça. Ele disse que se Battisti fosse mantido no Brasil por decisão do governo, quem tiraria ele da prisão?.
3. O mais importante é que a negativa de Peluso a aceitar a decisão do executivo, é uma alteração notória, que tira credibilidade ao judiciário, e gera na cidadania um sentimento de insegurança jurídica.
Em outros casos (muitos poucos, é verdade), houve reações da cidadania para impugnar alguns juízes. Embora esses casos pareciam justificados, eles deram lugar a longas polêmicas. O que não sugere ser desta vez, pois o ato reveste-se de caracteristica à manipulação pública.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A OAB E SEU ESTRANHO EXAME DE ORDEM





Inúmeras são as ações judiciais por todo país que desafiam a OAB e sua persistência em manter o questionado Exame de Ordem. As mais novas ações foram impetradas pelo MPF em Ação Civil Pública e pelo Sindicato dos Advogados da Paraíba. Isto ainda deverá render muito sofrimento aos que dependem da solução que será fornecida pelo STF.

Não perca dinheiro e tempo, DIGA NÃO AO EXAME DE ORDEM !!!

PERMANÊNCIA DE BATTISTI NA PRISÃO NÃO TEM FUNDAMENTO

Por Dalmo de Abreu Dallari

A legalidade da decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, negando a extradição de Cesare Battisti pretendida pelo governo italiano, é inatacável. O presidente decidiu, no exercício de suas competências constitucionais, como agente da soberania brasileira e a fundamentação de sua decisão tem por base disposições expressas do tratado de extradição assinado por Brasil e Itália.

É interessante e oportuno assinalar que as reações violentas e grosseiras de membros do governo italiano, agredindo a dignidade do povo brasileiro e fugindo ao mínimo respeito que deve existir nas relações entre os Estados civilizados, comprovam o absoluto acerto da decisão de Lula.

Quanto à prisão de Battisti, que já dura quatro anos, é de fundamental importância lembrar que se trata de uma espécie de prisão preventiva. Quando o governo da Itália pediu a extradição de Battisti, teve início um processo no Supremo Tribunal Federal, para que a Suprema Corte verificasse o cabimento formal do pedido e, considerando satisfeitas as formalidades legais, enviasse o caso ao presidente da República.

Para impedir que o possível extraditando fugisse do país ou se ocultasse, obstando o cumprimento de decisão do presidente da República, concedendo a extradição, o presidente do STF determinou a prisão preventiva de Battisti, com o único objetivo de garantir a execução de eventual decisão de extraditar. Não houve qualquer outro fundamento para a prisão de Battisti, que se caracterizou, claramente, como prisão preventiva.

O Lula acaba de tomar a decisão final e definitiva, negando atendimento ao pedido de extradição, tendo considerado as normas constitucionais e legais do Brasil e o tratado de extradição firmado com a Itália. Numa decisão muito bem fundamentada, o então chefe do Executivo deixa claro que teve em consideração os pressupostos jurídicos que recomendam ou são impeditivos da extradição.

Na avaliação do pedido, o presidente da República levou em conta todo o conjunto de cirscunstâncias políticas e sociais que compõem o caso Battisti, inclusive os antecedentes do caso e a situação política atual da Itália, tendo considerado, entre outros elementos, os recentes pronunciamentos violentos e apaixonados de membros do governo da Itália com referência a Cesare Battisti.

E assim, com rigoroso fundamento em disposições expressas do tratado de extradição celebrado por Brasil e Itália, concluiu que estavam presentes alguns pressupostos que recomendavam a negação do pedido de extradição. Decisão juridicamente perfeita.

Considere-se agora a prisão de Battisti. Ela foi determinada com o caráter de prisão preventiva, devendo perdurar até que o presidente da República desse a palavra final, concedendo ou negando a extradição. E isso acaba de ocorrer, com a decisão de negar atendimento ao pedido de extradição. Em consequência, a prisão preventiva de Cesare Battisti perdeu o objeto, não havendo qualquer fundamento jurídico para que ele continue preso.

Manter alguém preso sem ter apoio em algum dispositivo jurídico é absolutamente ilegal e caracteriza extrema violência contra a pessoa humana, pois o preso está praticamente impossibilitado de exercer seus direitos fundamentais. Assim, pois, em respeito à Constituição brasileira, que define o Brasil como Estado Democrático de Direito, Cesare Battisti deve ser solto imediatamente, sem qualquer concessão aos que tentam recorrer a artifícios jurídicos formais para a imposição de sua vocação arbitrária. O Direito e a Justiça devem prevalecer.

Anuário da Justiça São Paulo 2010: a mais completa radiografia do Judiciário Paulista

DALMO DALLARI, O MAIOR JURISTA DO BRASIL, DENUNCIA "VOCAÇÃO ARBITRÁRIA" DE PELUSO.





Dalmo de Abreu Dallari fulmina mais uma vez o arbítrio de Cezar Peluso e Gilmar
Mendes.


"A prisão preventiva de Cesare Battisti perdeu o objeto, não havendo qualquer fundamento jurídico para que ele continue preso."

É o que afirma o maior jurista brasileiro vivo, Dalmo de Abreu Dallari, cujas palavras deixam implícita uma contundente acusação ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso:

"Manter alguém preso sem ter apoio em algum dispositivo jurídico é absolutamente ilegal e caracteriza extrema violência contra a pessoa humana (...). Assim, pois, em respeito à Constituição brasileira, que define o Brasil como Estado Democrático de Direito, Cesare Battisti deve ser solto imediatamente, sem qualquer concessão aos que tentam recorrer a artifícios jurídicos formais para a imposição de sua vocação arbitrária [grifo meu]. O Direito e a Justiça devem prevalecer".
Lembro que foi depois de receber uma admoestação dessas que o então presidente do Supremo, Gilmar Mendes, correu a marcar o julgamento do Caso Battisti, providência que vinha adiando indefinidamente para prolongar ao máximo a detenção do escritor..

Associando-me ao arrazoado irrespondível e à justa indignação de Dallari, recomendo a todos a leitura de Permanência de Battisti na prisão não tem fundamento, o melhor texto até agora lançado sobre a esdrúxula situação de o STF estar mantendo Cesare Battisti como prisioneiro político, ao arrepio da decisão definitiva e incontestável de um presidente da República.